Os reflexos da Lei 12.618 no novo regime previdenciário da União*

- Luiza Emrich Torreão Braz em Direito Administrativo

Desde a edição da Lei 12.618, de 30 de abril de 2012, que instituiu a criação de entidades fechadas responsáveis pela administração e execução dos planos de benefícios previdenciários[1], muito se discute sobre a obrigatoriedade de servidores públicos serem submetidos ao novo regime da União, intitulado Funpresp.

A dúvida paira, sobretudo, nos casos em que servidores públicos originários de outras esferas administrativas, isto é, servidores estaduais, municipais, distritais, ou, ainda, militares que ingressem, por novos concursos públicos, após o início da vigência da Lei 12.618/12, em cargos federais.

A Lei 12.618, de 30 de abril de 2012, estabelece em seu texto que os benefícios previdenciários previstos no antigo regime, Lei 10.887, de julho de 2004, só poderão ser optados por aqueles servidores que ingressaram no serviço público até a vigência da nova lei:

Art. 3º Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei 10.887, de 18 de junho de 2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1º desta Lei que tiverem ingressado no serviço público:

I – a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1º desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios; e

II – até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1o desta Lei, e nele tenham permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição Federal

(…)

§ 7º O prazo para a opção de que trata o inciso II do caput deste artigo será de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do início da vigência do regime de previdência complementar instituído no caput do art. 1º desta Lei.

§ 8º O exercício da opção a que se refere o inciso II do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo. (grifos meus).

Verifica-se, da citada lei, que é facultado aos servidores a opção de aderir ao novo regime da previdência, desde que tenham ingressado no serviço público antes da vigência deste novo regime e não tenham rompido com o vínculo efetivo.

Tal faculdade, porém, seria, no entendimento da administração pública, apenas para aqueles servidores titulares de cargos federais[2], isto é, para aqueles que estavam vinculados à esfera federal antes de 4 de fevereiro de 2013, data em que o novo regime previdenciário entrou em vigor.

Os servidores originários do serviço público estadual, municipal, distrital e militar que, após a vigência da Lei 12.618/12, ingressaram, por meio de novo concurso público, para cargo federal, não fariam jus à escolha do regime previdenciário. Para eles a adesão ao regime de previdência complementar (Funpresp) seria obrigatória, ainda que a transferência de cargos ocorresse sem interrupção.

Ora, decerto não tem a administração a prerrogativa de fazer diferenciações e criar regras restritivas aonde o legislador não o fez. Mormente quando gerar tratamento díspar entre situações análogas – qual seja, a migração de um cargo no serviço público para outro, sem a quebra de vínculo, após 4 de fevereiro de 2013.

A interpretação da administração pública sobre a Lei 12.618/12 não apenas discrimina os servidores públicos de outras esferas, mas viola frontalmente o princípio da isonomia.

É nesse sentido que, em 15 de outubro de 2016, foi publicada sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal para, além de deferir o pedido de antecipação de tutela, declarar ser direito do servidor público autor da ação, advindo do serviço público estadual antes da vigência da Lei 12.618/12 fazer a poção, ao ser empossado em novo cargo, sem quebra de vínculo, de vincular-se ou não ao novo regime de previdência complementar (Funpresp). Por oportuno, vale transcrever trechos da mencionada sentença[3]:

Ao caso, deve prevalecer o princípio da supremacia da Constituição, devendo o aplicador do direito conferir à máxima efetividade ao comando constitucional, garantindo a sua força normativa, sem proferir interpretação restritiva de direitos, pois se o legislador constitucional tivesse o intento de possibilitar que o novo regime só fosse opcional para quem se encontrava, à época do fato temporal (criação do Funpresp-Exe), no serviço público federal, teria expressamente declinado tal teor no bojo da norma jurídica constitucional.

(…) Ante o exposto, concedo a tutela antecipada, nos termos da fundamentação supra, e julgo procedente a ação, resolvendo o processo com mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, para DECLARAR o direito do autor, advindo do serviço público estadual, sem interrupção, antes da criação do FUNPRESP-EXE, de se sujeitar ao Regime Próprio da Previdência Social – RPPS, anterior à criação do FUNPRESP-EXE, sendo a vinculação ao Regime de Previdência Complementar uma faculdade que assiste a parte autora que fizer a opção posteriormente a prolação desta sentença.

Interpretação contrária representaria patente desrespeito ao princípio basilar de nossa Constituição, qual seja o princípio da isonomia, além de implicar em oposição à própria Carta Magna, que em seu artigo 201, parágrafo 9º[4] reforça a determinação de que o artigo 40 deve aplicado em sentido amplo, de modo a abarcar todo servidor público.

Pelo exposto, servidores oriundos de cargos públicos que, sem quebra de vínculo com a administração, ingressaram no serviço público federal após da Lei 12.618/12 tem direito de vincular-se ou não ao novo regime de previdência complementar (Funpresp).


[1] A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud).
[2] A administração pública tem entendido que apenas servidores públicos titulares de cargos efetivos da esfera federal, isto é, vinculados à União, suas autarquias e fundações teriam a possibilidade de optar qual regime previdenciário lhes seria mais interessante.
[3] O entendimento proferido na citada sentença está em consonância com o posicionamento predominante do Judiciário. Cita-se, como exemplo o Agravo de Instrumento 0066208-44.2013.4.01.0000/DF (relatoria do desembargador Federal Néviton Guedes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
[4] Artigo 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei (Redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998)
(…)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei (Incluído dada pela Emenda Constitucional 20, de 1998).

*Artigo publicado na página www.conjur.com.br

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