Os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça não deixam dúvidas: o setor público, juntamente com os bancos, é o grande cliente do Poder Judiciário do Brasil. De acordo com pesquisa feita sobre os cem maiores litigantes do país, cerca de 20% dos processos em tramitação envolvem pessoas jurídicas de direito público[i], com presença marcante de controvérsias de direito administrativo, direito previdenciário e direito tributário.
Há várias razões que explicam a existência de tantas demandas judiciais em que o poder público figura como parte. O tamanho do Estado brasileiro, a quantidade de servidores ativos e inativos, a complexidade das normas tributárias e previdenciárias, entre outros, são fatores que contribuem para a multiplicação dos conflitos de interesses entre os cidadãos e os entes estatais.
Ocorre que há outro elemento que concorre, e muito, para essa multiplicação. Em razão dos diversos privilégios concedidos ao poder público quando este litiga contra os particulares, é vantajoso (principalmente no aspecto financeiro) para o Estado menosprezar direitos e resistir às pretensões mesmo quando sabe não ter razão.[ii] Para aqueles que estão acostumados com a difícil tarefa de enfrentar o Estado em demandas judiciais sem “paridade de armas”, a lista de vantagens parece infinita, ainda mais no contexto de crise econômica vivenciado atualmente no país, em que se multiplicam propostas — algumas manifestamente inconstitucionais — para aumentarem as receitas e diminuírem as despesas.
Para os objetivos do presente artigo, serão abordados três casos emblemáticos em que inexiste fundamento constitucional para o tratamento vantajoso concedido pela legislação à Fazenda Pública: i) o regime de atualização monetária; ii) a sistemática de pagamento de honorários advocatícios; iii) o procedimento de devolução de precatórios não sacados no prazo de 2 anos.
A atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública
Com a edição da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, e da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, as condenações impostas à Fazenda Pública, antes e depois da formalização do requisitório de pagamento, passaram a ser atualizadas, até o efetivo pagamento, apenas pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (TR). Tais atos normativos deixaram claro para os credores da Fazenda que a demora na conclusão dos processos judiciais produziria novos transtornos: os créditos não mais seriam corrigidos por índices que acompanhassem o fenômeno inflacionário.
Em outras palavras, os valores devidos pela Fazenda Pública em decorrência de condenações judiciais, com o transcorrer do tempo, passaram a diminuir em termos de poder aquisitivo da moeda. Desse modo, a reparação total dos direitos titularizados por aqueles que buscaram o Poder Judiciário restou inviabilizada, pois a remuneração básica e os juros aplicados à caderneta de poupança, como se sabe, são historicamente bastante inferiores à variação inflacionária; são, inclusive, fixados independentemente desta.
Na prática, a Fazenda Pública é premiada por violar direitos de terceiros, porquanto os valores reais das dívidas reduzem progressivamente. A inconstitucionalidade desse regime de atualização é evidente. Além da violação ao direito de propriedade, há o esvaziamento da própria função jurisdicional. Afinal, sem a devida correção monetária dos débitos, não se pode falar em restabelecimento do status quo ante.
No que tange à correção monetária dos precatórios, entre a data da inscrição do crédito e o efetivo pagamento, o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR. Ao apreciar as ADIs nºs 4.357 e 4.425, a Suprema Corte consignou expressamente que o § 12 do art. 100 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 62, violava o direito fundamental de propriedade, pois o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança “é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão.”[iii]
Não obstante o repúdio manifestado pela Corte à correção monetária pela TR, o efeito vinculante do julgamento ficou restrito à atualização dos precatórios, pois este era o objeto das ações diretas de inconstitucionalidade. Por ser a Lei nº 11.960/2009 mais ampla — diz respeito tanto a atualização dos requisitórios quanto das próprias condenações — questões processuais relativas ao controle concentrado de constitucionalidade impediram que esse injusto regime de atualização monetária fosse afastado em definitivo. Milhares de jurisdicionados, assim, são penalizados até hoje.
O problema somente será superado quando o julgamento do RE nº 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, for concluído. Nesse caso, está em discussão novamente a constitucionalidade da correção das condenações impostas à Fazenda Pública, agora com foco na redação dada pela Lei nº 11.960/2009 ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Esse dispositivo é mais amplo e determina que “as condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”
O Ministro Relator Luiz Fux corretamente observou que, não obstante o art. 1º-F da Lei n. 9494/97 ainda não ter sido objeto de pronunciamento expresso da Suprema Corte em caráter vinculante, não há razões para se aplicar critérios distintos de correção monetária dos precatórios e das condenações impostas à fazenda pública em geral. Ressaltou, na linha de raciocínio aplicada nos julgamentos nas ADIs 4.357 e 4.425, que “a remuneração da caderneta de poupança não guarda pertinência com a variação de preços na economia, sendo manifesta e abstratamente incapaz de mensurar o poder aquisitivo da moeda”.
Para demonstrar a inidoneidade da remuneração da caderneta de poupança para mensurar a inflação, o Ministro Luiz Fux lançou mão do seguinte exemplo:
“Ilustrativos, nesse sentido, são os números apresentados pelo Conselho Federal da OAB a partir da calculadora disponibilizada no portal do Banco Central do Brasil na internet. Um crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em maio de 2009 corrigido, pela TR, em dezembro de 2014 seria equivalente a R$ 103.572,42 (cento e três mil, quinhentos e setenta e dois reais e quarenta e dois centavos). Este mesmo valor corrigido pelo IPCA-E no mesmo período resulta em R$ 137.913, 29 (cento e trinta e sete mil, novecentos e treze reais e vinte e nove centavos). A diferença supera os 30% (trinta por cento) e revela os incentivos perversos gerados pelo art. 1º-F da Lei n. 9.494/97: quanto mais tempo a Fazenda Pública postergar a quitação de seus débitos, menor será, em termos reais, o valor da sua dívida, corroída que estará pela inflação. Nesse contexto, é nítido o estímulo ao uso especulativo do Poder Judiciário.” (grifos do original)
Como se pode ver, esse regime de atualização monetária consubstancia verdadeiro incentivo para que o poder público menospreze os direitos dos cidadãos ou então adote medidas protelatórias que atrasem a quitação dos débitos. Afinal, mesmo depois de condenado, ele pagará montantes inferiores, em termos reais, aos que seriam pagos se as dívidas fossem pagas espontaneamente e no tempo devido.
Considerando que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a utilização da TR para fins de correção monetária em 2014, chama a atenção a demora da Corte para concluir o julgamento do RE n. 870.947/SE, que trata da mesma matéria. Cinco ministros já ratificaram o entendimento firmado no julgamento das ADIs nºs 4.357 e 4.425, mas pedidos de vista feitos inicialmente pelo Ministro Dias Toffoli e depois pelo Ministro Gilmar Mendes vem impedindo a finalização do julgamento. Curiosamente, ambos os ministros ocuparam o cargo de Advogado Geral da União antes de serem indicados para a Suprema Corte e proferiram votos favoráveis à utilização da TR para fins de correção monetária quando apreciaram a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62/2009.
A situação daqueles que obtém êxito em demandas contra o poder público, portanto, é inaceitável. A inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97 é manifesta e o Supremo Tribunal Federal já declarou a ilicitude de dispositivos com idêntico teor. Ainda assim, há mais de oito anos essa norma permanece em vigor e, consequentemente, boa parte dos credores da Fazenda Pública está impossibilitada de ter suas pretensões satisfeitas integralmente, pois, no momento do pagamento, seus créditos já foram corroídos pela inflação. Como ressaltado pelo Ministro Luiz Fux, “é nítido o estímulo ao uso especulativo do Poder Judiciário”.
A sistemática de pagamentos de honorários advocatícios
De acordo com o artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, os honorários advocatícios variavam entre dez e vinte por cento do valor da condenação e, nas causas em que a Fazenda Pública fosse vencida, os honorários eram fixados consoante apreciação equitativa do juiz.
Essa regra revelou-se muito benéfica para a Fazenda Pública, que repetidamente era condenada ao pagamento de honorários em valores irrisórios, mesmo quando os detalhes do caso, analisados à luz do próprio Código de Processo Civil de 1973, recomendavam condenações mais substanciais. O juízo de equidade, na prática, sempre foi utilizado para condenar a Fazenda em percentuais inferiores ao mínimo legal estabelecido pelo código.[iv]
O Código de Processo Civil de 2015 modificou um pouco tal realidade, mediante a inserção de critérios objetivos para a condenação do poder público. Os percentuais padrões — de dez a vinte por cento do valor da condenação — foram mantidos, mas, nos casos em que a Fazenda Pública for parte, o § 3º do artigo 85 substituiu a apreciação equitativa do juiz pela estipulação de faixas que variam de um a vinte por cento, a depender do objeto da causa. Quanto maior a repercussão econômica da demanda, menor o percentual aplicado.
Ambas as normas deram tratamento privilegiado ao poder público no que tange ao pagamento dos honorários advocatícios A sistemática adotada pelo Código de Processo Civil de 1973 chamava ainda mais a atenção, pois havia um duplo privilégio. Além de ser beneficiada pela exceção à regra geral que fixava os honorários entre dez e vinte por cento, a Fazenda era regida por regras diferentes a depender do resultado da demanda. Quando era vencedora, a condenação era fixada em percentual; quando era vencida, a condenação era mediante apreciação equitativa, sempre inferior aos dez por cento previstos na lei.
O Código de Processo Civil de 2015 corrigiu apenas parcialmente a distorção. Como o § 3º estipula um regime de pagamento de honorários para as causas em que a Fazenda Pública figura como parte, independentemente do resultado do julgamento, não existe mais diferença de tratamento se ela é vencedora ou vencida. A nova lei processual mantém, todavia, um tratamento privilegiado que determina o pagamento de honorários entre um e dez por cento do conteúdo econômico da ação quando são discutidos valores mais expressivos. Se, mesmo em ações milionárias, os particulares que indevidamente deram causa à demanda são condenados ao pagamento de honorários entre dez e vinte por cento, por que a Fazenda Pública não pode ser submetida aos mesmos critérios?
Quando se observa a natureza dos honorários advocatícios, conclui-se que não há razões para tal diferenciação. Os honorários são regidos pelo princípio da causalidade e também têm natureza de sanção. Desse modo, aquele que deu causa à instauração do processo — seja porque violou direito alheio, seja porque ajuizou a demanda sem ter razão — deve ser responsabilizado por meio do pagamento de honorários. Se não fosse assim, o ordenamento jurídico deixaria desprotegida a parte que teve seu direito violado ou a parte que foi indevidamente compelida a participar de uma controvérsia judicial, mesmo sem praticar nenhum ato ilícito. Nas duas hipóteses, um equívoco da parte perdedora obrigou a parte vencedora a contratar um advogado para demonstrar suas razões em juízo e os custos dessa contratação não podem recair naquele que agiu de modo lícito.
Diante desse contexto, fica evidente que a sistemática de pagamento das verbas sucumbenciais pela Fazenda Pública constitui mais um inaceitável privilégio, cuja principal consequência é a proliferação e a banalização das ofensas aos direitos dos cidadãos. Trata-se de um evidente desrespeito ao princípio da isonomia, pois a penalidade imposta ao particular em razão da prática de um ato ilícito levado à apreciação do Poder Judiciário é significativamente maior do que a penalidade imposta ao poder público, ainda que a natureza dos atos seja idêntica. À evidência, não há qualquer elemento que justifique essa diferenciação em favor das entidades estatais. Pelo contrário, as ilicitudes praticadas pelo Estado deveriam ser sancionadas com maior rigor ainda, considerada a centralidade do princípio da legalidade estrita no balizamento da atividade estatal.
Esse tratamento privilegiado muitas vezes é fundamentado em uma suposta necessidade de proteção do erário. No entanto, o argumento é falacioso, pois o dinheiro público deve ser tutelado com rigor para que seja utilizado dentro dos parâmetros legais e para que sejam evitados desvios de finalidade. Decerto, a proteção do erário não se presta a afastar a responsabilidade dos entes estatais pelos atos ilícitos praticados.
Assim como ocorre com o regime de correção monetária, fica nítido o pouco rigor com que o legislador trata as ilegalidades do poder público. Não obstante o teor normativo do princípio da legalidade estrita exigir, no âmbito abstrato, que o gestor público atue apenas quando houver prévia determinação da lei, nota-se que, na realidade, menosprezo pelos direitos dos administrados é repetidamente recompensado por fórmulas vazias que contrapõem o interesse estatal aos direitos individuais.
A devolução dos precatórios não sacados no prazo de dois anos
No dia 6 de julho de 2017, foi editada a Lei nº 13.463, que dispôs sobre os recursos federais destinados aos pagamentos de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs). Em seu art. 2º, a norma determina o cancelamento dos precatórios e das RPVs cujos valores não foram levantados e estejam depositados há mais de dois anos. Atribui, ainda, à instituição financeira depositária a competência para operacionalizar mensamente a transferência dos valores depositados para o Tesouro Nacional.
Com o objetivo de minorar o déficit fiscal, o Governo Federal se utilizou do controle que possui sobre os bancos públicos para se apropriar de valores pertencentes a terceiros, concretizando tantas ofensas ao texto constitucional que convém questionar se este ainda possui alguma força normativa.
De pronto, chama a atenção o fato de que, no momento em que o pagamento é depositado na instituição financeira, conforme ordenado no ofício requisitório, o valor passa a ser do beneficiário, não mais do ente estatal.[v] Portanto, qualquer movimentação estranha ao saque pelo beneficiário somente pode ser feita com a chancela da autoridade judiciária competente, sob pena de ofensa imediata a diversos princípios constitucionais, tais como o da separação entre os poderes, devido processo legal, vedação ao confisco e o próprio direito de propriedade.
No que tange aos dispositivos constitucionais que regulamentam o pagamento por precatórios, também não faltam ofensas por parte da Lei nº 13.463/2017. O artigo 100 da Constituição Federal deixa claro que, depois de incluída no orçamento a verba necessária ao pagamento dos débitos, inexiste hipótese de devolução dos valores. Nos termos do §§ 6º e 7º, cabe ao presidente do tribunal determinar o pagamento integral, pois, se retardar ou tentar frustrar a liquidação regular dos precatórios, incorre em crime de responsabilidade analisado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Vale ressaltar que, na maioria das hipóteses em que o saque dos precatórios não é feito no prazo de dois anos, isso ocorre por motivos alheios à vontade do beneficiário. Em geral, decorre do falecimento do titular do crédito e, sabe-se, os procedimentos sucessórios não são céleres. Ademais, muitas requisições de pagamento são expedidas com bloqueio, de modo que apenas depois da resolução de incidentes processuais e recursos — normalmente levados a efeito pela Fazenda Pública — os créditos ficam definitivamente disponíveis aos seus titulares.[vi]
Ou seja, mesmo que a Lei nº 13.463/2017 tivesse instituído uma espécie de prazo decadencial para o saque — o que, em princípio, poderia ser feito pela legislação ordinária — certamente esse prazo não poderia correr nas hipóteses em que o direito está obstado por ordem do próprio juízo competente. Se não há inércia do beneficiário, não pode haver sanção. Como a lei não faz qualquer distinção entre créditos disponíveis e indisponíveis, determinando apenas o cancelamento dos precatórios e das RPVs não sacados no prazo de dois anos, conclui-se com facilidade que o único objetivo do Governo Federal foi o de confiscar o patrimônio dos particulares para cobrir o déficit das contas públicas.
Conclusão
O histórico autoritário e arbitrário do Estado brasileiro é bastante conhecido. São poucos anos de democracia constitucional, com respeito formal aos direitos fundamentais e ao princípio da soberania popular. Assim, não surpreende a subsistência de tratamentos privilegiados aos entes estatais, geralmente associados ao princípio da supremacia do interesse público.
Ocorre que esse princípio é bastante questionável.[vii] Consoante observa Marçal Justen Filho, trata-se de uma fórmula imprecisa, que dificulta sobremaneira o controle dos atos praticados pelo poder público.[viii] Difunde a ideia de que os direitos dos particulares frente ao estado podem sofrer todo tipo de limitação. Em algumas situações, a própria submissão do poder estatal à ordem jurídica, essência do conceito de Estado de Direito, pode ser questionada, tamanhas são as dificuldades criadas pelo legislador ordinário para os particulares terem seus direitos preservados frente aos excessos do poder estatal. A passividade do Supremo Tribunal Federal para exercer o controle de constitucionalidade nessas hipóteses evidencia o quão frágil ainda é a proteção dos direitos individuais no país.
Os casos tratados no presente artigo são paradigmáticos. Sob a premissa de que o erário merece especial proteção, perde-se de vista que o dinheiro público não é do Estado, mas sim de todos os cidadãos. Assim, viabiliza-se que dívidas da Fazenda Pública oriundas de condenações judicias sejam reduzidas progressivamente por meio da utilização de índices de atualização que não têm nenhum vínculo com o fenômeno inflacionário. Admite-se que todas as partes que deram causa indevidamente a um processo judicial sejam condenadas ao pagamento de honorários advocatícios em percentuais muitos superiores aos suportados pela Fazenda Pública, como se esta merecesse menos reprovação por violar direitos de terceiros. E, por fim, fragiliza-se por completo a ideia de Estado de Direito quando a parte, depois de obter êxito judicial mesmo após anos de disputas sem paridade de armas, tem o seu patrimônio confiscado porque, por motivos alheios à sua vontade, não efetuou o saque dos valores a que fazia jus no prazo de dois anos.
Como se pode ver, é praticamente impossível para o particular que teve seu direito lesado pelo poder público ver esse direito reparado integralmente pelo Poder Judiciário. Trata-se de uma realidade típica de ordens ditatoriais, em que não existe subordinação do poder a uma ordem jurídica. Em momentos de crise como o que o país atravessa atualmente, deve o Poder Judiciário assumir o protagonismo, não para definir os rumos que devem ser seguidos, mas para impedir sejam trilhados os caminhos que menosprezam os direitos dos cidadãos supostamente em prol de metas coletivas.
[i] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Relatório 100 maiores litigantes 2011. Brasília, 2012. <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisasjudiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf> Acesso em: 30 ago. 2017.
[ii] De acordo com os dados do CNJ, o poder público federal e o estadual figuram no polo passivo em cerca de dois terços das demandas. Apenas o setor público municipal é que atua mais frequentemente no polo ativo, geralmente em execuções fiscais.
[iii] DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º). (…) IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CF, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5º, CAPUT). INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO. OFENSA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE DIREITO (CF, ART. 1º, CAPUT), AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (CF, ART. 2º), AO POSTULADO DA ISONOMIA (CF, ART. 5º, CAPUT), À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL (CF, ART. 5º, XXXV) E AO DIREITO ADQUIRIDO E À COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. 1. A aprovação de emendas à Constituição não recebeu da Carta de 1988 tratamento específico quanto ao intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira. (…) 5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). (…) 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte. (STF, ADI nº 4.357, Relator Ministro AYRES BRITTO, Relator para Acórdão Ministro LUIZ FUX, DJe 25.09.2014)
[iv] Tal circunstância vinha contribuindo para o aviltamento dos honorários advocatícios em tais demandas. Sob o argumento de que se deveria proteger o erário, perdia-se de vista que o advogado particular terminava por, em parte, subsidiar o patrocínio de ações ou defesas pelo Poder Público, ao ver seus honorários sumariamente reduzidos e não correspondendo ao real grau de dificuldade, complexidade, reponsabilidade e importância econômica das causas por ele patrocinadas. AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 152.
[v] Há, inclusive, a possibilidade de cessão parcial ou total do crédito, independentemente da concordância do devedor, nos termos do art. 100, § 13, da Constituição.
[vi] De acordo com o art. 44 da Resolução nº 405/2016 do Conselho da Justiça Federal, qualquer fato anterior ao depósito que impeça o saque será imediatamente comunicado pelo juízo da execução ao presidente do tribunal, que determinará o bloqueio até decisão final. E, após o depósito, o bloqueio deverá ser determinado pelo juízo da execução ou pelo presidente do tribunal diretamente à instituição financeira, conforme dispuser regulamentação do tribunal.
[vii] Sobre o tema, FISCHGOLD, Bruno. Direito Administrativo e Democracia a inconstitucionalidade do princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
[viii] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 39.
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