A situação instaurada com a pandemia da Covid-19 tem mostrado seus efeitos adversos em variados campos jurídicos e colocado o mundo em estado de alerta. Destaca-se que no eixo contratual, evidenciam-se razões múltiplas para considerar a pandemia como força maior, tendo em vista a instabilidade e a demora para encontrar soluções viáveis que amenizem suas consequências. Todavia, importa analisar com cautela quais instrumentos contratuais comportariam tal demanda.
Sabe-se que a Covid-19 trouxe diversas restrições à circulação de pessoas e impossibilitou o pleno desenvolvimento do comércio, tanto nacional quanto internacional. Além do mais, a pandemia criou grandes desafios, ainda não equacionados, para os meios econômicos e políticos.
Para elucidar se esta situação se enquadra como força maior, importa retomar o conceito empregado pela doutrina, em que força maior pode ser compreendida como evento ou circunstância excepcional fora do controle daqueles que contratam, ou seja, é “acontecimento alheio à vontade do devedor, que decorre de fatos humanos e impede o cumprimento de uma obrigação”[1]. Assim, a força maior estaria relacionada a um fato necessário e inevitável, que está “fora do alcance do poder humano”[2].
O Código Civil (Lei 10.406/2002), em seu art. 421-A, II, define que “a alocação de riscos [força maior] definida pelas partes deve ser respeitada e observada”. Evidencia-se, portanto, que a legislação é expressa ao definir que os efeitos da força maior estão sujeitos ao que for estipulado pelas partes contratantes, relacionado estritamente ao que dispõe o instrumento contratual firmado entre eles.
Contudo, este enquadramento não cabe a todas as modalidades de contrato, uma vez que há diferenças básicas entre eles que impossibilitam a aplicação imediata da força maior. No caso dos contratos comerciais, sejam eles nacionais ou internacionais, como é a situação do fornecimento de produtos ou serviços, é evidente que a força maior atua com mais intensidade, uma vez que o cumprimento das obrigações por vezes fica sujeito a eventos excepcionais. Da mesma maneira, os contratos societários trazem em seu bojo cláusulas garantidoras aos compradores e investidores, em caso de eventos imprevisíveis.
O real problema estaria centrado em contratos bancários, contratos de empréstimo e cédulas de crédito que, por seu caráter objetivo, normalmente não abordam eventuais situações imprevisíveis às partes, o que oneraria de maneira excessiva uma delas.
Por todo o exposto, evidencia-se que a pandemia possui caráter extraordinário e imprevisível, uma vez que diversas medidas radicais passaram a ser adotadas e muitas são as surpresas diárias que afetam direta ou indiretamente todos aqueles que desenvolvem atividades empresariais. Assim, verifica-se possível inclui-la no rol de situações amparadas pelas cláusulas de força maior.
Para tanto, devem as partes evidenciar (i) se há previsão contratual, isto é, se há uma cláusula expressa que permita a repactuação ou o não cumprimento da obrigação frente a um evento de força maior e (ii) se é viável a sua invocação, em outras palavras, se a Covid-19 foi, de fato, o óbice gerador para o descumprimento contratual.
Em caso afirmativo para ambos os requisitos, cabível o entendimento de que a pandemia é situação de força maior. Todavia, em caso negativo, mais difícil seria recorrer a este instituto. A melhor solução, para tanto, seria prestigiar à boa-fé objetiva e os seus deveres anexos, frente à ausência de soluções objetivas.
[1] PIVA, Rui Carvalho. Direito Civil: Parte Geral, Obrigações, Contratos, Atos unilaterais, Reponsabilidade Civil e Direito das Coisas. Barueri: Manole, 2012, p. 78.
[2] BDINE JR., Hamid Charaf. In Código Civil Comentado. Coordenador: Ministro Cezar Peluso. 7ª Edição. Revista e Atualizada. 2013. Pg. 409.