A pandemia da Covid-19 fez surgir uma série de transformações no mundo, necessárias à contenção da propagação do coronavírus. O distanciamento social implicou na modificação do modo como são praticadas as relações humanas: quanto menor é o contato físico entre as pessoas, maiores são suas conexões em meio virtual.
Nessa conjuntura, é de suma relevância a adequação dos programas de compliance e de integridade das empresas à realidade atual, seja em razão da inauguração de uma cultura online – o home office pode ser uma tendência mantida após a pandemia – ou da necessidade de que as suas atuações ocorram em conformidade com o novo arcabouço normativo que surgiu como forma de combate à doença.
Em termos práticos, a virtualização das relações entre os colaboradores das empresas requer a previsão, nos programas de compliance e de integridade, de novas ferramentas de monitoramento de dados e de funcionários, tais como o aumento do contato entre os integrantes da equipe, ainda que à distância, ou a realização de treinamentos em ambiente online.
Para as empresas que estão adotando esse tipo de trabalho, a adaptação desses programas à nova conjuntura não se restringe à obediência ao regramento – recém surgido – destinado ao controle da proliferação da doença. Apesar de ainda não vigente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) [1], a mudança de um ambiente de trabalho físico para o digital exige especial atenção do compliance e da integridade corporativa quanto ao tratamento das informações pessoais dos indivíduos, em atendimento ao Marco Civil da Internet – Lei n° 12.965/14, regulamentada pelo Decreto n° 8.771/15 –, bem como às disposições do Código Civil [2] e do Código de Defesa do Consumidor [3].
Nas empresas em que não há adoção do trabalho remoto, tal adequação pode conter previsões relativas à estruturação da atividade empresarial no caso de haver uma redução, ainda que temporária, do número de colaboradores em razão da facilidade de contágio da doença.
Nesses ambientes, é também papel dos programas de compliance e de integridade provocar uma atuação da empresa conforme as recomendações sanitárias, por meio do fornecimento de luvas, de máscaras e de álcool gel aos colaboradores ou pela flexibilização dos horários de trabalho para evitar aglomeração e contato entre eles.
No âmbito das contratações públicas, a presença de tais programas é requisito legal para que as empresas firmem contratos com a Administração de alguns estados, como o Espírito Santo [4], Amazonas [5] e Rio de Janeiro [6], bem como Distrito Federal [7]. Tais contratos, ao menos em alguns setores como o da saúde, tendem a aumentar em razão da série de contratações emergenciais que o combate à pandemia requer.
Para as empresas que não contratam com o Poder Público, a existência de programas de compliance e de integridade adequados à nova realidade – mormente em razão da seriedade da situação que envolve disseminação da Covid-19 – é uma vantagem competitiva. Isso em razão de uma compreensão social, atualmente vigente, relacionada à importância de valores de ética, de integridade e de boa conduta no ambiente empresarial.
A relevância não é só reputacional e concorrencial. A análise de riscos é elemento que constitui umas das espinhas dorsais dos programas de integridade, de acordo com a Controladoria Geral da União (CGU) [8]. A crise ocasionada pela pandemia gera inúmeras incertezas que aumentam consideravelmente os riscos das operações empresariais. Portanto, o coronavírus também acionou um alerta para a importância de Planos de Contingência e de Comitês de Risco bem estruturados nas empresas.
[1] BRASIL. Lei n. 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
[2] BRASIL. Lei n. 10.406/02. Institui o Código Civil.
[3] BRASIL. Lei n. 8.078/90. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
[4] BRASIL. ESPÍRITO SANTO. Lei Estadual n. 10.793/2017. Institui o Código de Conduta e Integridade a ser observado pelos fornecedores de bens e prestadores de serviços ao Estado do Espírito Santo.
[5] BRASIL. AMAZONAS. Lei Estadual n. 4730/2018. Dispõe sobre a instituição do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado do Amazonas e dá outras providências.
[6] BRASIL. Rio de Janeiro. Lei Estadual n. 7753/2017. Dispõe sobre a instituição do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências.
[7] BRASIL. DISTRITO FEDERAL. Lei Distrital n. 6.112. Dispõe sobre a implementação de Programa de Integridade em pessoas jurídicas que firmem relação contratual de qualquer natureza com a administração pública do Distrito Federal em todas as esferas de poder e dá outras providências.
[8] De acordo com o documento Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas, elaborado pela CGU, são cinco os pilares dos Programas de Compliance: 1) Comprometimento e apoio da alta direção, 2) Instância resposável pelo Programa de Integridade, 3) Análise de perfil e riscos, 4) Estruturação das regras e procedimentos e 5) Estratégias de monitoramento contínuo. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas, 2015. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf