A licença-maternidade, denominada licença à gestante na lei 8.112/90, é garantida às servidoras públicas federais por 180 dias, nos termos do art. 207 da lei 8.112/90, art. 2º da lei 11.770/08 e art. 2º do decreto 6.690/08.
A extensão da licença-maternidade de 4 para 6 meses, obrigatória no serviço público federal, foi fruto de projeto da Sociedade Brasileira de Pediatria e está vigente há mais de 7 anos, sendo objeto de elogios pela sociedade civil e pela comunidade médica, pois viabiliza o aleitamento materno exclusivo até essa idade e fortalece o vínculo afetivo entre a mulher e seu bebê.
O parto prematuro – aquele que ocorre antes de 36 semanas e 6 dias de gestação – no entanto, costuma postergar o início da relação entre a mãe e seu bebê, pois é comum que o recém nascido apresente algum tipo de complicação médica e demande internação, comumente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Não raro, bebês prematuros passam meses internados, período extremamente tortuoso para os pais, em especial para a mãe.
Não há previsão expressa na legislação que permita à mãe que teve parto prematuro estender sua licença-maternidade pelo período da internação. Para preencher essa lacuna, encontra-se em estágio final de tramitação a Proposta de Emenda à Constituição 99/2015, que altera o inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal:
Art. 1º O inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º……….
XVIII –licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias, estendendo-se a licença-maternidade, em caso de nascimento prematuro, à quantidade de dias de internação do recém nascido, não podendo a licença exceder a duzentos e quarenta dias.” (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
O texto acima transcrito foi aprovado à unanimidade no Senado Federal no dia 09 de dezembro de 2015 e enviado à Câmara dos Deputados no dia 15 de dezembro de 2015. A despeito do otimismo e da convicção da sociedade de que as Casas Legislativas aprovarão a PEC nº 99/2015, qual é o status jurídico daquelas servidoras públicas que tiveram parto prematuro antes de sua potencial promulgação?
Ora, o escopo da licença maternidade é garantir um período exclusivo de contato do filho com a mãe. Infelizmente, por motivos de força maior, o parto prematuro priva a mãe e o recém nascido desse contato, pois o bebê finalizará sua completa formação fisiológica internado, com a ajuda de aparelhos médicos.
Por essa razão, o suporte fático da licença maternidade somente ocorre na data em que o bebê recebe alta e pode, finalmente, estabelecer o vínculo com sua mãe.
Tal interpretação busca justamente materializar a teleologia da própria licença e dar efetividade às disposições principiológicas da Constituição Federal que protegem a maternidade, a família, a infância e a saúde da criança, sendo conveniente transcrever o disposto nos arts. 6º, caput, 196, 226 e 227,§1º:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(…)
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(…)
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:” (grifos aditados)
Os mencionados princípios constitucionais, sob a atual perspectiva democrática de Estado, têm cogência imediata e, informadores que são de todo o ordenamento jurídico, devem ser utilizados como parâmetros de elaboração e de controle dos atos administrativos.
A corroborar esse entendimento, no dia 5 de fevereiro de 2016, o juízo da 27ª vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal deferiu pedido de antecipação de tutela à servidora pública cujo bebê nasceu prematuramente após apenas 29 semanas de gestação, o que demandou 84 dias de internação em UTI para o completo restabelecimento da saúde e da integridade física do recém nascido.1
Por elucidativo, seguem trechos da mencionada decisão:
É verdade que a Lei nº 11.770/2008, que trata de prorrogação da licença-maternidade, não contempla a prorrogação da licença-maternidade no caso de parto prematuro. No entanto, essa regra deve ser mitigada.
Isto porque, a Constituição Federal, em seu art. 227, preceitua que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Portanto, os preceitos constitucionais que protegem a saúde do recém-nascido e a maternidade caminham na mesma via, e não podem ser afastados ante a ausência de regramento legal.
Ainda, importa destacar que, conceitualmente, a licença-maternidade visa a salvaguardar a relação importantíssima e necessária entre o recém-nascido e sua mãe, e a garantia desse contato único tem a precípua finalidade de a criança se desenvolver de forma protegida e segura.
Certamente, durante o período em que o rebento esteve internado, essa relação vital ao desenvolvimento da criança não foi estabelecida a contento, quiçá sequer iniciada como deveria, especialmente considerando a insegurança gerada na real e permanente expectativa sobre a sobrevivência do bebê, que permaneceu por longo período em unidade de terapia intensiva.
Interpretação diversa esvaziaria por completo a razão de ser da licença-maternidade e privilegiaria uma interpretação literal de lei em detrimento da garantia ao bem-estar e ao desenvolvimento regular do bebê prematuro.
Pelo exposto, as servidoras públicas que tenham parto prematuro têm direito à prorrogação da licença-maternidade pelo período da internação de seu bebê2, independentemente da promulgação da PEC 99/15 ou de qualquer outro projeto legislativo que garanta explicitamente esse direito.
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1 Processo 0007873-12.2016.4.01.3400
2 Ante a ausência de disposição constitucional ou legal expressa, eventual limite da prorrogação deve ser aquilatado no caso concreto, em atenção ao princípio da razoabilidade.
*Publicado na página www.migalhas.com.br