Em 27 de maio de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a Lei Complementar (LC) n. 173, conversão o Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 39, de 24 de março de 2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) e altera a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Como contrapartida à ajuda financeira da União aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, o ato normativo traz importantes modificações no regime jurídico de servidores públicos federais, estaduais, municipais e distritais até 31 de dezembro de 2021.
As mais expressivas estão no artigo 8º da LC n. 173/2020, que prevê que, na ocorrência da situação prevista no artigo 65 da LC n. 101/2000 – calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, ou estado de defesa ou de sítio, decretado na forma da Constituição –, estarão impossibilitadas, até 31 de dezembro de 2021, entre outras medidas, a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a servidores e empregados públicos e militares; (i) a criação de cargo, emprego ou função e a alteração de carreira que impliquem aumento de despesa; (ii) a instituição ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza; (iii) a contagem desse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal.
O Presidente Jair Bolsonaro vetou o §6º do artigo 8º, que afastava dos servidores públicos civis e militares integrantes das Forças Armadas e da Segurança Pública, inclusive servidores das carreiras periciais, dos agentes socioeducativos, dos profissionais de limpeza urbana e de assistência social e dos profissionais de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, diretamente envolvidos no combate à pandemia da Covid-19, a impossibilidade de concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração e de cômputo do tempo de serviço para concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio.
O veto baseou-se no argumento de que violaria “o interesse público por acarretar em alteração da Economia Potencial Estimada. A título de exemplo, a manutenção do referido dispositivo retiraria quase dois terços do impacto esperado para a restrição de crescimento da despesa com pessoal.” O veto pode ser derrubado pelo Congresso Nacional no prazo constitucional de 30 (trinta) dias corridos.
De todo modo, a vedação à concessão de reajustes aos servidores dos Poderes Executivo e Judiciário e aos membros do Ministério Público é de constitucionalidade duvidosa, visto que a iniciativa de diplomas normativos que envolvam regime jurídico de servidores públicos é do chefe do Poder a que estejam vinculados e o PLP n. 39/2020 é de autoria do Senador Antônio Anastasia (PSD/MG), ou seja, teve origem no Senado Federal.
O artigo 61, §1º, inciso II, alíneas “a”, “c” e “f”, da Constituição prevê que cabe ao Presidente da República a proposição de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos federais e dos Territórios e dos militares. Essa norma é de observância obrigatória pelos demais entes federados, em respeito ao princípio da simetria, como reiteradamente tem decidido o STF.
Em relação aos servidores do Poder Judiciário federal e estadual e do Ministério Público da União e dos Estados, as iniciativas privativas de lei para alteração do regime jurídico de servidores públicos estão contidas no 96, inciso II, alínea “b” e no 127, §2º, da Constituição. As alterações são válidas, portanto, apenas para os servidores públicos do Poder Legislativo federal.
Ao menos estão mantidas as progressões e promoções funcionais, visto que a proibição ao cômputo de tempo de serviço para mecanismos que envolvem aumento de despesa de pessoal não abarca a evolução na carreira. Isso porque ela decorre de expressa previsão legal anterior à calamidade pública, ela não é expressamente vedada – a menção a progressões e promoções que existia no texto originário na proposta foi retirada –, além do fato de o relatório do Senador Davi Alcolumbre citar que “preservamos as progressões e promoções para os ocupantes de cargos estruturados em carreiras”. Caso promoções e progressões não sejam efetivamente implementadas no restante de 2020 e ao longo de 2021, caberá questionamento judicial acerca da inércia administrativa.
Avizinha-se, assim, período de pelo menos 18 (dezoito) meses sem aumento para todos os servidores públicos, caso o Supremo Tribunal Federal não declare a inconstitucionalidade do artigo 8º da LC n. 173/2020. Reajustes poderão apenas ser inseridos na Lei Orçamentária Anual (LOA) relativa ao ano de 2022, que deve ser enviada ao Congresso Nacional para apreciação até 31 de agosto de 2021, consoante previsto no §3º do artigo 8º “A lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual poderão conter dispositivos e autorizações que versem sobre as vedações previstas neste artigo, desde que seus efeitos somente sejam implementados após o fim do prazo fixado, sendo vedada qualquer cláusula de retroatividade.”
Não há que se cogitar, portanto, que a vedação ao aumento de despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à possível troca de titular de Poder contida no artigo 21 da LRF estenderá congelamento da remuneração dos servidores públicos para além de 31 de dezembro de 2021.
Nesse cenário, o questionamento judicial da LC n. 173/2020, principalmente em razão das restrições previstas no artigo 8º, é possível, visto que inobservadas normas para sua edição. Caberá ao Judiciário dar a palavra final sobre o congelamento das remunerações dos servidores públicos por período muito superior ao que está previsto para duração da pandemia.