No julgamento do Agravo em Recurso Especial n. 309.867/ES, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica”.
Desde a edição da da Lei n. 11.101/2005, que extinguiu a figura da concordata e criou os institutos da recuperação judicial e da extrajudicial, passou a existir controvérsia quanto à possibilidade das empresas nessa condição de participarem de procedimentos licitatórios.
Isso porque, de um lado, a Lei n. 11.101/2005[1], no seu artigo 52, II, prevê a possibilidade de uma empresa em recuperação judicial contratar com o poder público. De outro, porém, o artigo 31, II, da Lei n. 8.666/1993[2] exige para a participação em procedimento licitatório a certidão negativa de falência ou concordata – isto é, não dispõe sobre a recuperação judicial, deixando em dúvida se estaria mantida a exigência de certidão para essa situação.
Para solucionar a controvérsia, o Relator do caso, Ministro Gurgel de Faria, afirmou que, em razão de o art. 31 da Lei n. 8.666/1993 constituir norma restritiva de direitos, não se admite interpretação que amplie o seu sentido. À luz do princípio da legalidade, é vedado à Administração conferir interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa. Nesse sentido, concluiu que é incabível a automática inabilitação de empresas em recuperação judicial unicamente pela não apresentação de certidão negativa.
A Lei n. 11.101/2005 é voltada a viabilizar a superação da crise vivenciada pela empresa, permitindo sejam mantidas as operações e, consequentemente, os empregos e a geração de valor. Uma interpretação que restringisse as empresas em recuperação judicial de participarem de procedimentos licitatórios violaria essa motivação.
Por oportuno, cabe lembrar que a empresa em recuperação judicial, mesmo dispensada da apresentação de tal certidão negativa, também deverá demonstrar sua qualificação econômico-financeira (art. 27, III, da Lei n. 8.666/93[3]), de modo a assegurar a viabilidade de concretização do objeto da licitação.
Dessa forma, observa-se o acerto do entendimento do STJ em relativizar a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, respeitadas apenas as providências acerca da análise das condições da empresa, caso vencedora, de suportar os custos de execução do contrato. Essa compreensão auxilia o fortalecimento e o aprofundamento de um ambiente propício à recuperação das empresas e à preservação de suas funções sociais inerentes.
[1] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
(…)
II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;
[2] Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
(…)
II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
[3] Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
(…)
III – qualificação econômico-financeira;