Imposto de renda sobre a parcela de juros em pagamentos decorrentes de decisões judiciais da Justiça Federal. Incidência ou isenção?*

- Edilene Rossi Lacerda em Execuções Contra a Fazenda Pública

Tema recorrente para os que lidam com execuções contra a Fazenda Pública no âmbito da Justiça Federal, a incidência de imposto de renda sobre a parcela paga a título de juros moratórios em ações que têm como objeto diferenças remuneratórias devidas a servidores públicos, ganhou novos contornos com o advento da Resolução 405, de 9/6/16, do Conselho de Justiça Federal.

Até então, diante da sistemática adotada para expedição de ofícios requisitórios de pagamento, era inviável a separação do crédito principal e da parcela de juros no momento do preenchimento dos dados para expedição dos ofícios requisitórios de pagamento.

Contudo, a partir da citada Resolução do CJF, art. 8º, inciso VI1, tornou-se obrigatória a indicação do crédito principal e do montante de juros, em campos apartados, tudo com a finalidade de, no momento do saque junto à instituição financeira pagadora, viabilizar que o imposto de renda somente recaia sobre o crédito principal – único fato gerador de renda – isentando do mesmo tributo a parcela indenizatória, consignada nos juros moratórios.

Ao inovar sobre o tema, a Resolução em comento corroborou entendimento já há muito sedimentado na jurisprudência dos Tribunais pátrios, no sentido de que os juros moratórios pagos por meio de precatórios e RPVS visam a reparar a demora no adimplemento dos débitos pela Fazenda Pública, tendo, sem dúvida, caráter indenizatório2.

Veja-se que em resoluções anteriores do Conselho de Justiça Federal3, não havia previsão de indicação em separado do crédito principal e da parcela indenizatória de juros, impossibilitando o correto cálculo do imposto de renda. Isso tanto na sistemática da lei 10.833/03, que exigia a retenção pela instituição financeira pagadora, a título de imposto de renda, de 3% do valor total sacado pelo credor do precatório ou da RPV, quanto na modalidade de retenção exclusiva na fonte, com base no número de meses do RRA (Rendimentos Recebidos Acumuladamente).

Como consequência da reunião do crédito principal com o montante dos juros, há décadas os credores da Fazenda Pública vinham sendo onerados indevidamente com a tributação do imposto de renda sobre a parcela indenizatória.

Esse equívoco, como dito, foi reconhecido pelo CJF por meio da Resolução 405/16. Contudo, resta a pergunta: como reaver tais valores pagos a título de imposto de renda sobre valores de juros recebidos em anos anteriores à vigência da atual Resolução do CJF?

Salvo os casos atingidos pela prescrição, resta ao contribuinte a opção de ajuizar ação de repetição de indébito para buscar o tributo indevidamente recolhido.

Entretanto, embora possa parecer solucionada a questão do recolhimento do IR nos recebimentos de créditos de decisões judiciais desde o advento da Resolução 405/16, subsiste o seguinte óbice.

A Receita Federal do Brasil não entende como inquestionável o caráter indenizatório da parcela de juros, o que implica dizer que uma ação de repetição de indébito enfrentaria forte resistência por parte da Procuradoria da Fazenda Nacional.

O entendimento sustentado pelo órgão é o de que são tributáveis os juros moratórios “decorrentes de rendimentos recebidos acumuladamente (RRA) pagos por meio de precatórios judiciais”, pois “possuem natureza jurídica indenizatória de lucros cessantes, importando acréscimo patrimonial e tributação pelo IR, a teor do art. 16, parágrafo único, da lei 4.506, de 1964.”4

Tal orientação tomou por base o julgamento em sede de recurso repetitivo, pelo STJ, do REsp 1.089.720/RS5, que analisou matéria trabalhista e concluiu nos termos acima já comentados.

Com efeito, ao editar a Solução de Consulta 124, de 30/09/166, acima tratada, a Receita Federal partiu de julgado originário da Justiça do Trabalho, cuja situação fática em muito se distingue das ações movidas contra a Fazenda Pública perante a Justiça Federal, e acabou por reinaugurar o debate sobre o tema da natureza indenizatória dos juros moratórios. Perpetuou, assim, a ilegalidade que poderia ter sido definitivamente elidida com a edição da Resolução 405/16.

Portanto, não obstante os esforços do Conselho de Justiça Federal, diante da oposição da Receita Federal do Brasil, o contribuinte permanecerá sujeito à insegurança no que tange à sua regularidade fiscal, visto que, apesar de a Justiça Federal declarar isento do IRPF o montante de juros e operacionalizar o sistema de expedição e pagamento de precatórios e RPVs de forma a evitar a incidência do tributo, o contribuinte poderá vir a ser acionado pela Receita Federal, compelindo-o a declarar como fato gerador de renda, tributável por conseguinte, todo o crédito recebido por meio de decisões judiciais da Justiça Federal.

1Art. 8º – O juiz da execução informará, no ofício requisitório, os seguintes dados constantes do processo: VI – nas requisições não tributárias, valor do principal corrigido e dos juros, individualizado por beneficiário, e valor total da requisição;

2Entendimento fixado no julgamento do REsp 1.227.1333/RS e REsp 1.118.429/SP

3Resolução 122/10, art. 7º, VI e Resolução 168/11. Art. 8º, IV indicam como requisito do ofício de pagamento apenas o “valor individualizado por beneficiário e valor total da requisição”.

4À essa regra geral alinham-se duas exceções: 2.1) não se sujeitam ao IR, no caso de referidos lucros estarem vinculados a verbas trabalhistas pagas no contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho, consoante o art. 6º, inciso V, da lei . 7.713, de 22 de dezembro de 1988; e, 2.2) são também isentos do IR, desde que incidentes sobre verba principal isenta ou fora do campo de incidência do IR, conforme a regra do accessorium sequitur suum principale.”

5. Regra geral: incide o IRPF sobre os juros de mora, a teor do art. 16, caput e parágrafo único, da lei 4.506/64, inclusive quando reconhecidos em reclamatórias trabalhistas, apesar de sua natureza indenizatória reconhecida pelo mesmo dispositivo legal (matéria ainda não pacificada em recurso representativo da controvérsia).

6 Solução de Consulta 124/16: Tema: Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF. Juros moratórios. Rendimentos recebidos acumuladamente auferidos via precatório e RPV. Incidência. Natureza indenizatória de lucros cessantes.

*Artigo publicado na página: www.migalhas.com.br

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