No dia 30 de abril de 2019, foi publicada a MP n. 881/2019 (MP), que estabeleceu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, com o objetivo de proteger a livre iniciativa e o livre exercício de atividade econômica, bem como disciplinar a atuação do Estado como agente normativo e regulador[1].
As alterações propostas pela MP pretenderam reforçar os arts. 170 e 174 da Constituição, que primam pelo estímulo à atividade econômica, nos seguintes termos:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Na prática, a MP tenta afastar os entraves impostos pelo Estado que impediam o livre desenvolvimento econômico. Logo no início, a MP já traz a concepção de intervenção mínima, subsidiária e excepcional do Estado na economia, conforme o art. 2º[2], e cria métodos de desburocratização da atividade econômica no art. 3º[3].
Ainda, a MP traz diversas alterações às disposições do Código Civil (CC). Destaca-se, por oportuno, as alterações nos arts. 50, 421, 423, 980-A, 1.052, bem como a inclusão dos arts 480-A e 480-B. Todos esses artigos tendem a uniformizar a atuação do Estado nas relações econômicas, a fim de evitar a intervenção excessiva; exemplos claros dessa uniformização são extraídos dos arts. 50 e 480-A.
No tocante ao art. 50, a MP conceitua todos os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, de modo que limita o Estado a “levantar o manto protetivo” da personalidade jurídica somente nos casos descritos. Embora o propósito seja correto e a conceituação tenha acompanhado a jurisprudência pátria, a parametrização do que é “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial” pode ensejar discussões, já que esses conceitos são dinâmicos e acompanham o cenário empresarial.
Já no art. 480-A, há clara preponderância da autonomia da vontade das partes, que agora podem pactuar os parâmetros objetivos que revisão ou de resolução do negócio jurídico nos casos de desequilíbrio contratual. Essa previsão reforça que a intervenção do Estado deve ser mínima nas questões interempresariais e não pode ser invocada para resguardar riscos ou dificuldades inerentes ao cumprimento da prestação.
Em suma, ao reforçar disposições constitucionais voltadas à liberdade econômica,a MP traz benefícios concretos ao mercado, na medida em que materializa algumas disposições principiológicas. Isso não quer dizer que não gerará questionamentos, tendo em vista que abarca conceitos dinâmicos do mundo empresarial e que a intervenção mínima do Estado não pode se confundir com uma omissão do agente público.
De toda forma, a MP nº 881 constitui marco legal voltado ao incentivo da liberdade econômica entre os agentes privados, sendo certo que sua edição pressupôs a importância de tal incentivo como um dos fatores determinantes ao desenvolvimento e crescimento econômico do país[4].
[1] Art. 1º Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição.
[2] Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Medida Provisória: I – a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas; II – a presunção de boa-fé do particular; e III – a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.
[3] Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição: IV – receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, hipótese em que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores, observado o disposto em regulamento; V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia de sua vontade, exceto se houver expressa disposição legal em contrário; VI – desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos; VII – implementar, testar e oferecer, gratuitamente ou não, um novo produto ou serviço para um grupo privado e restrito de pessoas maiores e capazes, que se valerá exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, após livre e claro consentimento, sem requerimento ou ato público de liberação da atividade econômica, exceto em hipóteses de segurança nacional, de segurança pública ou sanitária ou de saúde pública, respeitada a legislação vigente, inclusive no que diz respeito à propriedade intelectual;
[4] Excertos extraídos da Exposição de motivos, em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-881-19.pdf :
- Existe a percepção de que no Brasil ainda prevalece o pressuposto de que as atividades econômicas devam ser exercidas somente se presente expressa permissão do Estado, fazendo com que o empresário brasileiro, em contraposição ao resto do mundo desenvolvido e emergente, não se sinta seguro para produzir, gerar emprego e renda.Como resultado, o Brasil figura em 150o posição no ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation/Wall Street Journal, 144o posição no ranking de Liberdade Econômica do Fraser Institute, e 123o posição no ranking de Liberdade Econômica e Pessoal do CatoInstitute.
- Esse desempenho coaduna com a triste realidade atual de mais de 12 milhões de desempregados, a estagnação econômica e a falta de crescimento da renda real dos brasileiros nos últimos anos. A realidade urge uma ação precisa, mas cientificamente embasada, de caráter imediato e remediador.
- Após a análise de dezenas de estudos empíricos, todos devidamente especificados nas Notas Técnicas, incluindo os dedicados à América Latina, conclui-se que a liberdade econômica é cientificamente um fator necessário e preponderante para o desenvolvimento e crescimento econômico de um país. Mais do que isso, é uma medida efetiva, apoiada no mandato popular desta gestão, para sairmos da grave crise em que o País se encontra.