Assim que medidas de isolamento social foram adotadas a fim de impedir o crescimento acelerado da Covid-19, diversos impactos foram observados nos âmbitos político, social e econômico. Frente à impossibilidade dos setores do turismo e da cultura de continuar a prestar seus serviços, a Medida Provisória n° 948, publicada em 08 de abril de 2020, busca oferecer soluções viáveis aos prestadores de serviços e aos consumidores contratantes.
O objeto central da MP é a impossibilidade de cumprimento de obrigações de fazer em contratos de consumo, a qual decorre diretamente das barreiras impostas pela pandemia. Nesse cenário de crise, mesmo diante do inadimplemento da obrigação, não se pode aplicar a responsabilidade civil do fornecedor por defeito[1] ou vício[2] do serviço, tendo em vista que os eventuais danos sofridos pelo consumidor são decorrentes da ausência do serviço pela impossibilidade de sua execução.
Sabendo que o Código de Defesa do Consumidor não prevê norma específica para o cenário atual, válida é a aplicação de normas gerais do Código Civil. Por se tratar de uma impossibilidade de prestar o serviço sem culpa do fornecedor, o art. 248[3] do CC determina a resolução da obrigação com a restituição dos valores já pagos, o que pode não ser a melhor opção para as partes contratantes. A MP n° 948 trouxe alternativas à resolução contratual que levam em consideração o interesse dos fornecedores e dos consumidores.
Diante dos cancelamentos de serviços, de reservas e de eventos culturais e turísticos, a MP oferece duas possibilidades ao fornecedor: restituir o valor recebido do consumidor (art. 2º, §4º[4]) ou assegurá-lo nas opções oferecidas pela Medida (art. 2º, caput e incisos[5]). Dessa forma, o fornecedor adquire uma obrigação facultativa, pois deverá optar pela resolução contratual e consequente restituição dos valores antecipados ou observar as condições de prestação dos serviços estipulados pela MP.
Conforme o normativo, na hipótese de cancelamento de shows, de reservas e de eventos, o fornecedor não está obrigado a reembolsar os consumidores, desde que:
(i) permita a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
(ii) disponibilize crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos; ou
(iii) realize outros acordos a serem formalizados com o consumidor.
As escolhas do consumidor devem ser prestadas pelo fornecedor sem qualquer custo adicional, taxas ou multas, se solicitadas dentro do prazo de 90 (noventa) dias contados da data de entrada em vigor da MP. O fornecedor, por sua vez, tem o prazo de 12 (doze) meses para adimplir com a obrigação, contados a partir da data de encerramento do estado de calamidade pública (Decreto n° 6, de 20 de março de 2020).
Ainda conforme o art. 4º, da MP[6], artistas já contratados até a edição da Medida Provisória não terão a obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos cachês, desde que haja a remarcação do evento no prazo de 12 (doze) meses. Dessa forma, o artista também possui uma obrigação facultativa: restituir os valores antecipados ou acordar com os estabelecimentos contratantes outra data para a realização do evento.
Assim, diante de tantas incertezas e inseguranças advindas da pandemia, a Medida Provisória propõe algumas alternativas aos agentes do entretenimento para que possam, pelo menos a curto e médio prazo, contar com soluções a fim de evitar conflitos.
[1] Arts. 12 ao 17, do Código de Defesa do Consumidor
[2] Arts. 18 ao 25, do Código de Defesa do Consumidor
[3] Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
[4] Art. 2º, § 4º: Na hipótese de impossibilidade de ajuste, nos termos dos incisos I a III do caput, o prestador de serviços ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E, no prazo de doze meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020.
[5] Art. 2º Na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou III – outro acordo a ser formalizado com o consumidor.
[6] Art. 4º Os artistas já contratados, até a data de edição desta Medida Provisória, que forem impactados por cancelamentos de eventos, incluídos shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas e os profissionais contratados para a realização destes eventos não terão obrigação de reembolsar imediatamente os valores dos serviços ou cachês, desde que o evento seja remarcado, no prazo de doze meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020.
Parágrafo único. Na hipótese de os artistas e os demais profissionais contratados para a realização dos eventos de que trata o caput não prestarem os serviços contratados no prazo previsto, o valor recebido será restituído, atualizado monetariamente pelo IPCA-E, no prazo de doze meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020.