O Código Civil, em seu art. 474, confere às partes a prerrogativa de estabelecerem cláusula que preveja hipóteses nas quais o contratante prejudicado poderá declarar, de pleno direito, a rescisão contratual.
A inclusão do pedido de recuperação judicial entre as causas de rescisão unilateral de contrato é bastante comum. Isso porque o pedido de recuperação denota insolvência, ainda que temporária, ou, ao menos, dificuldade financeira, com consequente comprometimento da capacidade do contratante de cumprir com a obrigação pela qual se vinculou.
Há, na doutrina e na jurisprudência, divergência de entendimento a respeito da validade dessa cláusula.
Uma corrente defende a tese de que é nula a cláusula resolutiva expressa em contrato bilateral que prevê a hipótese de requerimento de recuperação judicial como causa de rescisão (cláusula resolutiva expressa por insolvência).
De acordo com essa corrente, a possibilidade de resolução antecipada dos contratos inviabiliza a atividade empresarial, o que colide com o principal objetivo da recuperação judicial, que é promover a superação da crise econômico-financeira. Pretende-se, assim, dar efetividade aos princípios da preservação da empresa e da função social dos contratos.
Esse entendimento foi adotado pelo TJPR no julgamento do Agravo de Instrumento Nº 1.292.381-0:
Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Habilitação de crédito. Instrumento particular de confissão de dívida. Quitação integral do débito. Ocorrência. Inoperabilidade da cláusula resolutiva expressa em face do advento da recuperação judicial da devedora. Preponderância do bem comum e da função social da empresa. Nulidade da cláusula. Reconhecimento. Regularidade dos pagamentos e das parcelas adimplidas neste ínterim. Falta de interesse na interposição da habilitação. Decisão mantida. (TJPR, Agravo de Instrumento Nº 1.292.381-0, Des. Rel. Luis Sérgio Swiech, 17ª Câmara Cível, julgado em 22/07/2015).
Por outro lado, há quem defenda a validade da cláusula resolutiva em caso de requerimento de recuperação judicial, em atenção à autonomia da vontade e à força obrigatória dos contratos. Essa corrente entende que não há proibição legal para as partes se acautelarem em face de potencial inadimplemento:
Apelação Cível. Contrato de distribuição. Resolução da avença por uma das partes, após deferimento do processamento da sua recuperação judicial. Fundamento em cláusula resolutiva expressa, que previu fosse o contrato resolvido na hipótese de recuperação judicial de qualquer das contratantes. Ação de obrigação de fazer. Pretensão deduzida pela outra parceira contratual, visando seja a primeira obrigada ao cumprimento do contrato. Sentença de improcedência. Inconformismo. Cláusula resolutiva expressa que opera de pleno direito. Inteligência do artigo 474 do Código Civil. Validade de semelhante disposição contratual. Posicionamento adotado em precedente deste E. Tribunal e pela doutrina majoritária. (…). (TJSP, Ap. 4002604-92.2013.8.26.0038, Des. Rel. Hélio Nogueira, 22ª Câmara de Direito Privado, julgado em 19/05/2016)
Verifica-se que as duas correntes estão amparadas em argumentos consistentes e princípios basilares do direito que se contrapõem com relação à validade da cláusula resolutiva expressa por requerimento de recuperação judicial.
Entende-se que a ponderação de um princípio em detrimento de outros exige uma análise do caso concreto, em que poderá ser apurada, por exemplo, a relevância/indispensabilidade do contrato para a continuidade da empresa em recuperação.
Em verdade, a análise da essencialidade do contrato para a empresa em recuperação tem sido o fator de maior peso na jurisprudência para o reconhecimento da validade ou não da cláusula resolutiva. Caso seja identificado que o contrato celebrado é indispensável para o desempenho da atividade econômica da recuperanda, a tendência é que a cláusula resolutiva seja considerada nula.
As excepcionalidades do caso é que impulsionarão, portanto, a relativização dos princípios para o reconhecimento ou não da validade da cláusula resolutiva.