A limitação remuneratória dos servidores e agentes públicos está prevista desde a redação original da Constituição da República de 1988¹. Posteriormente, o teto constitucional passou por três alterações, a saber:
a) Emenda Constitucional 19/98, que limitou os ganhos, percebidos cumulativamente ou não, ao subsídio dos Ministros do Supremo²;
b) Emenda Constitucional 41/03³, que retomou a limitação aos entes federativos, como previsto pelo Constituinte originário, e manteve o teto máximo no subsídio dos Ministros do STF, percebidos cumulativamente ou não; e
c) Emenda Constitucional 47/054, que flexibilizou a regra do subteto equivalente ao subsídio do Governador para os Estados e o Distrito Federal, prevista no inciso XI, do art. 37.
A EC 47/05 permitiu ao Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal instituir como subteto remuneratório o subsídio dos Desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça, mediante emenda às respectivas Constituições e à Lei Orgânica. Acrescentou, ainda, o § 11 ao art. 375, para não computar, no teto constitucional, as verbas de natureza indenizatória previstas em lei.
O STF, em julgamento do dia 27 de abril de 2017, ao julgar dois Recursos Extraordinários (REs 602.043 e 612.975), decidiu que o teto remuneratório incide isoladamente sobre a remuneração de cada cargo público, nos casos de acumulação autorizada pela Constituição da República, quais sejam:
Art. 37. […]
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;Art. 95. […]
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
Art. 128. […]
§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
II – as seguintes vedações:
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;
Em decisão majoritária, o STF manteve as decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, para que o teto fosse aplicado, isoladamente, na percepção cumulada da remuneração de dois cargos públicos privativos de médico (RE 602.043) e de proventos de tenente-coronel da reserva da PM com a remuneração do cargo de odontólogo no SUS (RE 612.975).
O debate no julgamento travou-se em torno dos artigos 37, inciso XI, e do artigo 40, § 11, que, explicitamente, aplicam o abate teto sobre a soma das remunerações, veja-se:
Art. 37 […]
XI – a remuneração e o subsídio (…), percebidos cumulativamente ou não, (…) não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,(…). (Redação dada pela Emenda Constitucional 41, 19/12/03)
Art. 40 […]
§ 11 – Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional 20, de 15/12/98)
O Plenário reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “percebidos cumulativamente ou não” contida na redação do artigo 37, inciso XI, da Carta da República, à luz dos dispositivos constitucionais que tratam da acumulação de cargos autorizada pela Constituição.
Na mesma oportunidade, resguardou as situações remuneratórias consolidadas antes do advento das Emendas 19/98, 20/98 e 41/03, sob pena de ofensa ao direito adquirido já incorporado ao patrimônio do servidor público ativo ou inativo e ao princípio da irredutibilidade de vencimentos.
Foi aprovada, assim, a seguinte tese em repercussão geral: “Nos casos autorizados, constitucionalmente, de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do artigo 37, inciso XI, da CF, pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público”.
Dentre os argumentos suscitados em julgamento, considerou-se inaceitável a soma de cargos acumuláveis para fins de abate teto, ante a vedação ao enriquecimento sem causa por parte do Estado, vez que o servidor, além de contribuir para a previdência em ambos os cargos, exerce atividade profissional pública, e, assim, faz jus à correspondente contrapartida remuneratória.
Ademais, exigir que se trabalhe gratuitamente ou com o recebimento de remuneração incompatível com o serviço prestado, constitui violação ao direito fundamental ao trabalho remunerado, bem como violação à dignidade da pessoa humana e à isonomia entre servidores que exercem funções idênticas.
Se a Constituição permite a acumulação de cargos em determinadas hipóteses é em função da relevância social desses e em prol do benefício da coletividade. Pontue-se que são os servidores com mais tempo de trabalho, e, portanto, mais experientes que auferem vencimentos próximo ao teto.
Trata-se de mão de obra qualificada de extrema valia ao interesse público. Impedir a devida remuneração pelo trabalho prestado gera desestímulo a esses profissionais para atuar na via pública, o que contraria a intenção do texto constitucional.
Esse entendimento havia sido adotado anteriormente pelo STF que, ao apreciar o Processo Administrativo 319.269, em fevereiro de 2004, garantiu a acumulação de subsídios de magistrado com os vencimentos de professor universitário, bem como a decorrente dos cargos de ministro do STF e do TSE, prevista no art. 119, I, a, da Lei Maior.
Corrobora essa linha, a Resolução 13/16 do Conselho Nacional de Justiça, que consolida as resoluções do CNJ referentes ao teto remuneratório, ao subsídio e à concessão e pagamento de diárias no Poder Judiciário, veja-se:
Art. 6º Para efeito de percepção cumulativa de subsídios, remuneração ou proventos, juntamente com pensão decorrente de falecimento de cônjuge ou companheira(o), observar-se-á o limite fixado na Constituição Federal como teto remuneratório, hipótese em que deverão ser considerados individualmente. (Resolução 13, de 21 de março de 2006, art. 6º. Redação dada pela Resolução 42, de 11 de setembro de 2007)
Art. 16. Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: […]
II – de caráter permanente: a) remuneração ou provento de magistrado decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da CF.
Em consonância, o Superior Tribunal de Justiça determina a incidência do teto constitucional de forma isolada sobre cada remuneração recebida em virtude de cumulação lícita. (AgRg no AgRg no RMS 33.100/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/5/13, DJe 15/5/13; RMS 33.170/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/5/12, DJe 7/8/12; RMS 38.682/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/12, DJe 5/11/12.)
Portanto, o STF conferiu o direito à percepção integral de vencimentos de cargos licitamente acumuláveis sem a incidência do abate-teto, desde que o valor de cada vencimento não exceda o valor do teto remuneratório previsto na Constituição.
Por fim, cumpre ressaltar que a decisão do STF ora analisada vincula os demais Tribunais. Logo, os servidores ativos e inativos prejudicados podem buscar a intervenção do Judiciário para receber os valores decotados pelo abate teto.
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1. Art. 37. […] XI – a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;
2. Art. 37. […] XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;
3. Art. 37. […] XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
4. Art. 37 […] § 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite único, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.
5. Art. 37 […] § 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.
* Artigo publicado na página www.migalhas.com.br