STJ decide que a participação indireta do administrador na aprovação de suas contas configura vício passível de anulabilidade via ação específica

em Direito Empresarial e Societário

Em recente julgamento da 4ª Turma do STJ (REsp n. 2.095.475/SP), a Corte deu provimento à pretensão recursal e estabeleceu que o vício de voto na sociedade anônima, em hipótese em que o acionista vota na deliberação de assembleia-geral relativa à aprovação de suas próprias contas como administrador, leva à sanção de anulabilidade, sendo imprescindível a prévia desconstituição da votação assemblear para que, após, se possa buscar a responsabilização do sócio administrador.

O tema objeto de análise pela Corte decorre do comando do art. 115 da Lei n. 6.404/76 (LSA)[1]. Conforme previsão legal, o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral ordinária (AGO) voltadas à aprovação de suas próprias contas como administrador.

Na hipótese, o sócio administrador, poucos dias antes da assembleia-geral da sociedade anônima por ele administrada, transferiu seu percentual de 33,8% de cotas para outra pessoa jurídica, da qual o próprio sócio e sua esposa são detentores de 100% da participação do capital social, entendida como uma holding familiar.

A holding familiar, por sua vez, compareceu à AGO e votou favoravelmente à aprovação das contas dos administradores da sociedade anônima, sem restrições ou ressalvas, tendo sido tal voto decisivo para a obtenção do quórum necessário à aprovação das contas.

Diante desse cenário, os demais acionistas da sociedade anônima ajuizaram ação voltada à responsabilização dos administradores em questão, que havia sido julgada procedente, pelo Tribunal local (TJSP), para condenar os requeridos ao ressarcimento dos prejuízos causados, uma vez não aprovadas as contas, estimados em R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

No âmbito do STJ, entretanto, a Corte enquadrou a hipótese como matéria de anulabilidade de deliberação em assembleia, em razão do vício de voto. O Tribunal verificou que o contexto fático demonstra não ter existido as necessárias independência e isenção na apreciação das contas do administrador por intermédio de holding familiar, o que excepcionaria a regra da autonomia patrimonial e jurídica entre os atos da entidade (holding) e a figura de seus sócios.

O Tribunal asseverou que o fato relevante para a configuração da fraude ao comando legal residiria, sobretudo, na proximidade entre a data da transferência da participação acionária para a holding familiar e a data da assembleia de aprovação das contas na sociedade anônima. Logo, o elemento temporal, de significativa importância apara a configuração da fraude, demonstraria que a transferência teria sido realizada com o intuito de possibilitar a participação do próprio administrador no conclave.

Entretanto, sendo tal matéria enquadrada como vício de voto, passível de sanção de anulabilidade, o STJ entendeu que o Tribunal de origem não poderia ter reconhecido de ofício a sanção, inclusive, não observando o prazo decadencial para sua decretação.

O prazo decadencial para ajuizamento da ação de anulação de deliberação assemblear é de 2 (dois) anos, conforme previsão do art. 286 da mesma Lei[2], o qual havia sido extrapolado à época dos fatos analisados.

Assim é que a Corte Superior estabeleceu a obrigatoriedade de prévia desconstituição da assembleia, conforme art. 134, § 3º, da LSA[3], para que, após, se possa buscar responsabilização dos administradores.

Ainda, o STJ entendeu que os administradores da companhia haviam sido exonerados de responsabilidade, conforme previsão do dispositivo acima, visto que as contas haviam sido aprovadas sem ressalvas, considerado que a desconstituição da presunção juris tantum de legitimidade da aprovação depende da observância do procedimento previsto legalmente – prévia ação de anulação da deliberação assemblear – para que haja posterior responsabilização do administrador.

[1] Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

  • 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.

[2] Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.

[3] Art. 134. Instalada a assembléia-geral, proceder-se-á, se requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais serão submetidos pela mesa à discussão e votação.

  • 3º A aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286).
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