Caso Marfrig v. CBF: STJ prestigia a autonomia privada em contrato empresarial e mantém cláusula penal de 20%

- Renan Palhares Torreão Braz em Direito Empresarial e Societário

Em recente julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o REsp n. 1.803.803/RJ, a Corte concluiu pela manutenção de cláusula penal de 20% sobre as parcelas inadimplidas no contrato, totalizando a multa de US$ 23,2 milhões em desfavor da empresa do ramo alimentício. Para tanto, o Tribunal levou em consideração a função da cláusula penal pactuada, que era predominantemente coercitiva, e a liberdade contratual das partes.

O caso envolveu contrato de patrocínio por meio do qual a Marfrig patrocinaria diferentes seleções brasileiras de futebol, no período compreendido entre 2011 e 2026, mediante pagamento do total de US$ 160 milhões. Durante a vigência, a patrocinadora pagou US$ 15 milhões, até que se quedou inadimplente. Em virtude de inadimplemento contratual, a CBF ajuizou ação monitória demandando parcelas vencidas até a rescisão do contrato, além de multas/cláusula penal previstas no contrato.

As instâncias ordinárias haviam reduzido o valor da multa contratual para a quantia fixa de US$ 2 milhões – equivalente a uma parcela trimestral que seria devida[1] pela Marfrig –, ao fundamento de que a CBF havia logrado contratar uma nova patrocinadora em curto espaço de tempo, cerca de 1 (um) mês após a rescisão.

Entretanto, a Corte Superior analisou detalhadamente a finalidade da cláusula penal e verificou que sua função era essencialmente coercitiva, ou seja, buscava estimular o devedor ao inadimplemento do contrato, conforme acordado, notadamente diante da longa duração do contrato, de 15 anos. Não tinha, assim, função de reparação de danos causados (perdas e danos).

Diante dessa observação, a Turma concluiu que, não obstante a possibilidade de controle judicial da multa compensatória abusiva, com base no art. 413 do Código Civil[2], a preponderância de uma ou outra finalidade da cláusula penal implica a adoção de regimes jurídicos distintos no momento de sua redução.

Por isso, entendeu-se que a multa convencional cuja finalidade era coercitiva não poderia ser reduzida pelo fato de que o prejuízo suportado pela CBF teria se aproximado a uma única prestação trimestral, já que essa racionalidade atrairia à multa uma finalidade reparatória de perda, que não era o intuito da cláusula pactuada no contrato entre as partes, claramente coercitiva.

O fundamento foi reforçado com a disposição do art. 416 do Código Civil: “Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”.

Não se perdeu de vista que, com o inadimplemento parcial da obrigação, a incidência do percentual de 20% deveria se projetar apenas às parcelas pendentes de satisfação, no caso, sobre os US$ 116 milhões.

Outro fator relevante consignado no acórdão de julgamento diz respeito à natureza empresarial do contrato, firmado por empresas de grande porte, sem assimetria entre os contratantes a justificar a intervenção em seus termos, fazendo prevalecer a autonomia privada, a liberdade contratual e a força obrigatória dos contratos.

O julgado traz alerta relevante aos agentes econômicos na alocação de responsabilidades, em vista da avaliação minuciosa das intenções das partes na formulação das avenças, bem como prestigia os postulados da Lei da Liberdade Econômica voltados à intervenção mínima e à excepcionalidade da revisão contratual pelo Estado, sendo um precedente festejado por boa parte da doutrina empresarial.

[1] O valor total do contrato era parcelado em 64 (sessenta e quatro) pagamentos trimestrais, além de outros US$ 24 milhões destinados à aquisição de duas aeronaves.

[2] Art. 413/Código Civil. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

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