Em julgamento histórico de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn)[1], ocorrido nos dias 06 e 07 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, determinou a suspensão da eficácia da Medida Provisória n. 954/2020. A decisão do Plenário referendou a liminar anteriormente deferida pela Relatora das ações, Ministra Rosa Weber.
As cinco ADIn, ajuizadas por partidos políticos e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), questionavam dispositivos da MP, que autorizava o compartilhamento de dados pessoais pelas empresas de telefonia com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O objetivo do tratamento das informações pessoais seria possibilitar a produção estatística oficial, durante a situação de emergência decorrente da pandemia da Covid-19.
A Suprema Corte entendeu que a Medida Provisória poderia trazer riscos a direitos fundamentais, como a intimidade, a privacidade e a proteção de dados.
Nas palavras da Relatora, o texto não delimita o objeto, a finalidade específica e a amplitude da pesquisa estatística a que se destinaria a coleta dos dados e não esclarece a necessidade e o modo como se daria o compartilhamento. Além disso, não prevê mecanismos e procedimentos para proteção das informações pessoais contra vazamentos, acessos não autorizados ou indevidos, tampouco assegura a higidez, o sigilo e o anonimato dos dados.
A importância da decisão não se limita à suspensão da eficácia da norma. Muito além disso, o julgamento é emblemático pois levou à afirmação expressa, pelo STF, da proteção de dados como um direito fundamental autônomo. Pela primeira vez, a matéria foi debatida por essa Corte de forma tão acentuada.
Na visão de estudiosos do tema, como a Professora Laura Schertel[2] da Universidade de Brasília, o marco representado por esse julgamento, no Brasil, é semelhante aquele desempenhado, na Alemanha, por decisão do Tribunal Constitucional Alemão, proferida em caso semelhante, no ano de 1983.
Isso porque, em ambas as ocasiões, discutiu-se o compartilhamento de informações pessoais para produção de estatísticas oficiais e enfatizou-se a necessidade de implementação de medidas garantidoras da proteção aos direitos fundamentais.[3]
Para a Laura Schertel, são três os aspectos centrais[4] que ajudam na compreensão do elevado peso exercido pela decisão da Suprema Corte Brasileira, no âmbito da proteção de dados pessoais:
- o julgamento representa a superação da ideia de que existiriam dados neutros ou insignificantes, os quais não seriam objeto de tutela, e afirma a proteção constitucional ao dado pessoal;
- houve a afirmação da existência de um direito fundamental autônomo à proteção de dados, o que implica em um duplo dever do Estado. Em sua faceta negativa, o Estado teria o dever de não interferir indevidamente nesse direito fundamental e, na positiva, de adotar medidas para assegurar esse direito; e
- a prorrogação do início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para maio de 2021, determinada pela Medida Provisória n. 959/2020, e a ausência de criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pelo governo demonstram que há, no Brasil, um fraco arcabouço institucional protetivo aos dados pessoais. Com o reconhecimento da proteção de dados como um direito fundamental autônomo pelo STF, conclui-se que essa estrutura institucional débil é antagônica a preceitos constitucionais.
A íntegra do julgamento pode ser assistida no Canal do Youtube do STF.
[1] ADIs n. 6387, 6388, 6389, 6393, 6390.
[2] MENDES, Laura Schertel. Decisão histórica do STF reconhece o direito fundamental à proteção de dados pessoais. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decisao-historica-do-stf-reconhece-direito-fundamental-a-protecao-de-dados-pessoais-10052020
[3] Idem.
[4] Idem.